MIGRANTES E SUA INFLUÊNCIA NA ZONA LESTE

By Guilherme Luiz Pereira - 16:37

Os bairros do Tatuapé, Mooca, Vila Manchester, Vila Carrão e Brás foram estudados e analisamos o poder da influência internacional presentes na cultura desses locais. O período mais marcante desse movimento migratório foi durante o período conhecido como Grande Imigração, que se iniciou no final do século XIX e se estendeu até o início do século XX.


A SÃO PAULO DE ANTES

Segundo Angélica Beghini, Gestora do Núcleo de Pesquisa do Museu da Imigração, e Thiago Haruo, pesquisador e antropólogo do Museu da Imigração, a cidade de São Paulo concentrava-se na região do atual centro histórico. As culturas de culinária e vestimentas eram as trazidas de Portugal e da África, principalmente.
A cidade começou a receber pessoas vindas da Europa no final do séc. XIX, e a partir desse momento, outras regiões mais afastadas começaram a ser ocupadas, entre elas a zona leste, que possuía forte característica industrial. O cotidiano do bairro foi construído em conjunto com migrantes de diversas nacionalidades, como italianos e japoneses. E a tradicional cozinha caipira paulista ganhou novos hábitos e temperos.


GRANDE IMIGRAÇÃO

Os entrevistados informaram que o período causou um impacto muito forte na cidade de São Paulo, e durou desde o final do séc. XIX até as primeiras décadas do séc. XX. A mão de obra estrangeira, que foi principalmente de origem europeia, foi valorizada pelo governo da época, que logo após a abolição da escravatura passou a ter um posicionamento político eugenista de branqueamento da população. Para poder suprir as demandas necessárias nas lavouras cafeeiras, muitos estrangeiros com situações financeiras difíceis se motivaram a vir para o Brasil, com o sonho de poder “fazer a América”. Já no séc. XX, durante a segunda guerra mundial e o período pós-guerra, o governo brasileiro assumiu uma política nacionalista, que limitava muito o processo de imigração internacional.
Pasquale Giudice, de 65 anos e morador da Vila Carrão, é descendente de imigrantes italianos relatou que na época do governo de Juscelino Kubistchek, só aceitavam estrangeiros para serviço na área rural. Seu pai teve que deixar três filhos e esposas na Itália para poder vir para o Brasil em busca de prosperidade. “Papai foi bem recebido, mas eu, meus dois irmãos e minha mãe só pudemos vir para o Brasil após meu pai já ter uma residência fixa e autorização de permanência”, relata Pasquale.
O que começou a se tornar comum durante essa época foi uma crescente ocorrência da migração interna, de pessoas que vinham principalmente da região nordeste e do estado de Minas gerais, que se mudaram para São Paulo com o desejo de poder ter uma vida com melhores condições de saneamento e financeira.
Juan Henrique Ramirez Lopes, agente de trânsito CET e morador do Tatuapé com 53 anos de idade, descendente de Espanhol apontou o momento difícil vivido por seu pai após e segunda Guerra mundial e pelo fato de a Espanha ser regida na época pelo ditador General Franco. Outro relato de vinda para o Brasil para poder ficar longe de conflitos é o de Arnaldo Marcos Vicente, caminhoneiro de 51 anos e também do Tatuapé, onde seu pai saiu de Portugal para ficar longe de guerra e fome. Então apesar de o Brasil ter sido receptivo até certo momento, também serviu de abrigo para muitos refugiados.
Chaminés de fábricas na Mooca. fotografia de Thiago Cabrera.


A RENDA INICIAL

Segundo Angélica e Thiago, nos contratos para muitos migrantes recebiam subsídio estatal para arcar com a viagem e os primeiros custos. Grande parte deles se instalava nas fazendas e lá trabalhavam. Aqueles que optaram por ficar nas zonas urbanas, se inseriram principalmente em áreas do comércio e indústrias.
Muitos migrantes não foram bem-sucedidos em São Paulo, eles vieram para colaborar com o chamado “Projeto Nacional”, de cunho racial pois enfatizava a intenção de embranquecimento da população brasileira. A mão de obra imigrante recebia condições duras, mesmo assim com condições mínimas de trabalho, alguns grupos familiares conseguiram tirar proveito dessa situação e obter ganhos financeiros e reconhecimento.
Apesar disso, a realidade da maioria dos imigrantes foi complicada, com planos que acabaram não dando certo e sem a prosperidade financeira, acabaram se tornando o que atualmente seria classificado como classes C e D. Claro que em contrapartida existem alguns nomes emblemáticos, como os Matarazzo, os Crespi, entre outros, mas, em geral, são exceções.


A MUDANÇA NA CULINÁRIA

Junto com o empenho para trabalhar no Brasil, muitos estrangeiros também trouxeram consigo vários hábitos alimentares e tempero, mas, como aqui a cultura era diferente, alguns alimentos não eram encontrados por não serem cultivados em território paulista. Assim, a inserção de novos hábitos alimentares foi ocorrendo gradativamente, e com a necessidade de muitas adaptações em receitas, devido á falta de ingredientes. Dessa mistura, se desenvolveu um paladar tipicamente brasileiro.
Era muito comum também o estranhamento da cultura local pelos imigrantes, segundo Angélica e Thiago, da equipe do Museu da Imigração, existe uma coleção oral de alguns depoimentos de pessoas que passaram pela hospedaria e relatavam suas primeiras impressões, e com certos alimentos, essas manifestações eram negativas, mas isso variava de cultura para cultura.



VILA MANCHESTER E OKINAWA

A Associação Okinawana da Vila Carrão realiza a mais de meio século um festival tradicional, com comidas, danças e apresentações típicas de Okinawa. Trata-se de uma ação comunitária iniciada entre determinado grupo de uma comunidade imigrante, que foi se expandindo para os demais públicos. Como hoje em dia já se tem aproximadamente cinco gerações desde a imigração japonesa, a maior parte dos participantes desse evento são descendentes de imigrantes.
Além do contato com uma cultura que se
transforma, visto que já atravessa diversas gerações aqui no Brasil, se modificando com as dinâmicas locais e circunstâncias históricas, uma pessoa não descendente pode entrar em contato e aprender práticas muito fortes de memória comunitária, uma forma de não esquecer de onde vieram e determinados valores importantes.
Fotografia da Avenida Conselheiro Carrão, ponto bem próxima á Vila Manchester e a famosa Praça Haroldo Daltro. Imagem retirada da página vila_carrao, do Instagram.


MOOCA E ITALIANOS

Segundo Angélica e Thiago, os dados fornecidos por entidades públicas dificilmente chegam a diferenciar pessoas por sua descendência, ainda mais com esse recorte de bairro. No entanto, podemos considerar que, tomando como referência os últimos dados da organização internacional para as migrações, temos, em São Paulo, 17.128 italianos.
A Mooca é, sabidamente, um dos principais redutos de italianos na cidade de São Paulo, com uma importância notável, já que tem sotaque próprio, nomes de ruas e de estabelecimentos vindos de italianos, e até mesmo o nome do Estádio Conde Rodolfo Crespi, do Clube Atlético Juventus.
O professor de língua portuguesa Humberto Consentine, da Mooca, mencionou sobre a existência de eventos religiosos italianos que acontecem no bairro, festivais que valorizam muito a religião católica, e trazem para estes eventos, comidas tradicionais, além de “fantasias” de roupas usadas no século passado na Itália.
Torcida organizada “Setor 2”, do CA Juventus, clube tradicional do bairro da Mooca, durante os jogos é comum a torcida fazer referências á cultura italiana, assim como nas faixar que levam para os jogos.
Fotografia de Vinícius Baader, administrador da página meiacanchafc, do Instagram.



PRECONCEITO CONTRA ESTRANGEIROS

Juan Henrique disse que o preconceito não era algo perceptível, já que ele viveu uma época onde os próprios estrangeiros proporcionavam empregos aos brasileiros, e por conta disso eram respeitados, já que trouxeram tecnologia e maquinário para desenvolvimento de suas empresas. Pasquale Giudice ressaltou que seu pai não sofreu com o preconceito, “Quando muito, chamavam meu pai de ‘Italiá’, com referência ao fato de ser italiano”, relembrou o aposentado.
 Porém, Arnaldo mencionou que seu pai, na época em que chegou no Brasil, sofria com preconceito por parte dos empregadores, que o explorava com trabalho pesado em troca de alimentação, mas ressaltou que nos dias de hoje as provocações e piadas são mais frequentes, zombam da fala, sotaque, até mesmo a culinária é motivo de piadas.
Segundo Humberto, Há muito racismo, mas em sua maioria não são contra descendentes ou migrantes europeus, e sim contra bolivianos que moram no bairro da Mooca e também em outro bairros, sofrem muito preconceito, muitas vezes de maneira implícita e sutil, com pequenas atitudes e declarações que demonstram um destrato com os estrangeiros, relata o professor.


FLUXOS SUL-SUL

De acordo com Angélica Beghini e Thiago Haruo, foi a partir dos anos 2000, com o fortalecimento de movimentos migratórios chamados de fluxos sul-sul, ou seja, o Brasil e a cidade de São Paulo passaram a ser lugar de destino para muitos migrantes vindos de países também em desenvolvimento. Em um contexto internacional em que o Brasil se afirmava como um ator importante dentre os países emergentes, que passou a receber cada vez mais pessoas vindas do continente africano, do Oriente Médio ou do extremo Oriente.
Vale também ressaltar a presença de imigrantes sul-americanos que vivem na zona leste, como por exemplo a perceptível presença de bolivianos nos bairros da Penha, Vila Maria etc. Arnaldo Marcos afirmou que alguns vieram para poder trabalhar em empresas de confecção, muitas vezes liderados por bolivianos que conseguiram obter sucesso e abrir essas empresas.
Esquina da Rua Xiririca com a rua Pirambóia, na Vila Carrão, Onda fica a pizzaria Per Te Amore, conhecida por sua iluminação extravagante durante as noites. Fotografia retirada do perfil vilacarrao, do Instagram.



VOLUNTÁRIOS JAPONESES NO COLÉGIO BRASÍLIA

Solange Dametta, da Administração do Colégio Brasília, comunicou que vários profissionais são enviados pois existe um contrato com a JICA (Japan International Cooperation Agency, que em português significa Agência da Cooperação internacional do Japão), os voluntários ficam 20 meses no colégio, e após isso os voluntários retornam e novos chegam. Essa instituição é subsidiada pelo governo japonês.
Esse contrato existe porque no Japão existe um número muito alto de brasileiros que vão trabalhar no Japão, e os filhos desses brasileiros passam a estudar em escolas japonesas, e os educadores começaram a ter dificuldades para lidar com os brasileiros, por ser uma cultura completamente diferente. Então para poder compreender como são as atividades escolares no Brasil, para assim saber como lidar com os jovens brasileiros nas escolas japonesas.
Solange ressaltou que esses voluntários ensinam aos alunos a língua japonesa á partir do ensino fundamental, e para alunos de ensino infantil, ensinam como fazer origami, danças e músicas tradicionais japonesas. Como o Colégio Brasília possui proprietário descendentes de japoneses, a instituição costuma sempre ter participação em festivais de cultura japonesa na região da Vila Carrão e Vila formosa, como por exemplo o festival de Okinawa, que acontece anualmente no Centro Esportivo da Vila Manchester.



O MUSEU DA IMIGRAÇÃO

Enquanto equipamento de cultura estatal, o Museu da Imigração se destaca na sua missão de trabalhar tanto com a história da imigração no Brasil, assim como a sua contemporaneidade, apresentando o grande mosaico que surge desses diferentes fluxos. Nesse sentido, não só os espaços expositivos buscam cruzar épocas e fluxos migratórios diferentes, mas também o ambiente se oferece como um lugar para os próprios migrantes internacionais na atualidade poderem se apropriar e desenvolver suas atividades.
O Museu da Imigração do Estado de São Paulo está localizado na Rua Visconde de Parnaíba, 1316, Mooca, São Paulo. Está temporariamente fechado devido á pandemia do COVID-19, mas logo que o isolamento social não for mais necessário e a pandemia controlada, o ambiente abrirá para visitantes.
A revista Cidade Leste agradece as informações cedidas por Angélica Beghini, Gestora do Núcleo de Pesquisa do Museu da Imigração, e Thiago Haruo, pesquisador e antropólogo do Museu da Imigração.

  • Share:

Você também vai gostar

0 comentários